13 setembro 2010

Elisa Branco: a costureira que ganhou o Prêmio Stalin

Ela foi presa na década de 50 por desafiar o governo do presidente Dutra contra o envio de soldados à Guerra da Coreia e, como militante comunista, ainda sonha em conhecer Cuba.

Em 1922, então com 10 anos, Elisa Branco abandonou os bancos escolares depois de se desentender com a professora em um desfile de 7 de setembro, em Barretos, no interior de São Paulo. O motivo da discussão: a roupa amassada. “Chorei o dia todo”, relembra.
Decidida a não mais voltar à escola, a família tratou de substituir a cartilha da menina por jornais da capital. A consequência foi seu despertar para a política, impressionada com as andanças de Luís Carlos Prestes pelo país, no movimento que ficou conhecido como a Coluna Prestes. Filha de um português, dono de um armazém e uma pensão, a pequena burguesa morava com os cinco irmãos em uma casa de 21 cômodos. A boa situação financeira, porém, não a impediu de se aproximar do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, por consequência, do grande ídolo. “Nunca fiz sacrifícios pelo partido. Prestes cativava as pessoas por sua inteligência”, afirma.

Vinte e oito anos depois de deixar a escola, já casada e com duas filhas, Elisa teve sua trajetória marcada por outro ato de rebeldia. Tudo começou em uma reunião da Federação das Mulheres de São Paulo, entidade ligada ao PCB, da qual fazia parte desde que se mudara para a capital. Naquela época, ela trabalhava como costureira de “madames do high society” e já não vivia com a mesma prosperidade da juventude, já que a morte do pai acabou com o sustento da família. Por um rádio de válvula, ouviu o presidente da República Eurico Gaspar Dutra anunciar o apoio do Brasil aos Estados Unidos na Guerra da Coréia – o que implicaria enviar tropas brasileiras ao continente asiático. “Vamos protestar”, bradou às companheiras. O grupo dividiu-se, mas não houve argumento que a fizesse mudar de ideia. No dia 7 de setembro de 1950, ela seguiu para o Vale do Anhangabaú, em São Paulo, local dos festejos do Dia da Independência. Diante do palanque oficial, abriu uma faixa com a inscrição “Os soldados nossos filhos não irão para a Coréia”. Não teve tempo para correr e foi levada por policiais à delegacia. “Achei que iria ficar detida por uma semana”, lembra.

O seu martírio, porém, perdurou por mais tempo. Julgada pelo Tribunal Militar, foi condenada por ação subversiva. A pena: quatro anos e três meses no Presídio Tiradentes, onde hoje há uma estação de metrô. De imediato, Elisa pediu a amigas que lhe enviassem peças de algodão para fazer cortinas e um pouco de esmalte para as unhas. Passou, então, a ensinar corte e costura e um pouco do alfabeto e higiene pessoal às detentas. Enquanto isso, via crescer um movimento pela sua libertação. Elisa virou notícia em jornais e passou a contar com o apoio popular. Teve, assim, direito a um novo julgamento. Absolvida, deixou a prisão um ano e oito meses depois de ter sido presa. “Fiz muitas amizades lá dentro e, quando saí, as mulheres que ficaram minhas amigas fizeram o maior quebra-quebra”, recorda-se. Em dezembro de 1952, meses depois de sua liberdade, Elisa foi agraciada com o Prêmio Stalin em uma conferência mundial pela paz, na Polônia – mais tarde substituído pelo Prêmio Lênin. Nessa primeira viagem à Europa, estava acompanhada do escritor Jorge Amado e da atriz Maria Della Costa. “A Elisa era muito corajosa”, diz a escritora Zélia Gattai, 83 anos, mulher de Jorge Amado. “Foi uma heroína do partido.”

Dívida de Fidel

O cárcere e a crise de identidade vivida pelo partido depois da morte de Stalin, em 1953, não abalaram sua militância. “Vi Elisa poucas vezes, mas sei que era muito ativa e interessada”, diz o arquiteto Oscar Niemeyer. Em 1964, quando estourou o golpe militar, ela foi novamente presa. Dessa vez, dentro de sua própria casa, na Vila Mariana. “Os bandidos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) reviraram tudo e ainda me tiraram um monte de fotografias de álbum de família”, conta. Ela ficou detida apenas por oito dias. Essa não foi a última vez que viu-se diante dos militares. Em 1971, Elisa assistia contrariada à luta armada dos partidos de esquerda. Desconfiados, agentes da polícia foram buscá-la de madrugada. Antes de sair, aos berros, fez questão de acordar a vizinhança. “Estão me levando”, gritou. A família ficou três dias sem nenhuma informação, até Elisa ser liberada, por falta de provas, já que havia se afastado da linha de frente do comunismo no Brasil.

Elisa foi casada durante 62 anos com o português Norberto Batista, que morreu em 1993, e com quem teve duas filhas, Horieta e Florita. Ele sempre foi um dos maiores incentivadores da luta da mulher. “Meu marido era comunista, mas eu não deixava ele participar com medo de que fosse deportado para Portugal, que vivia sob a ditadura de Salazar”, recorda Elisa. Ela mora sozinha em um apartamento em Alto de Pinheiros, bairro de classe média, em São Paulo. Aproveita as madrugadas para rabiscar à mão passagens de sua vida em um caderno universitário e fazer mantas de tricô. Pretende deixar tudo registrado em livro, que será revisado pelo jornalista e escritor Fernando Morais, autor de Olga e Chatô, o Rei do Brasil. “Vou fazer
isso com carinho. Só estou esperando ela terminar”, diz Morais. Elisa não tem pressa. Sentada no sofá de couro, olhando para as estantes com livros marxistas, diz que vai viver pelo menos 100 anos. Tempo suficiente para realizar um velho sonho: conhecer Cuba. “O Fidel Castro está me devendo um convite”, diz, sem, no entanto, tê-lo conhecido algum dia. “Vou escrever uma carta para ele e cobrar.”

Fonte: IstoÉ Gente

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