18 junho 2012


Luiz Leduino: “Polícia Militar não combina com educação, universidade. Nunca dará certo”

publicado em 17 de junho de 2012 às 17:07
por Conceição Lemes
Neste domingo 17, a greve das universidades federais completa um mês. Iniciada com a adesão de 33 instituições, o movimento já conta o apoio de 55,  entre as quais a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Os estudantes da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Unifesp  Guarulhos, especificamente, estão em greve há 85 dias. Na quinta-feira à noite 14, após assembleia para discutir o apoio à greve dos docentes, a Polícia Militar foi acionada para reprimir um grupo de estudantes que protestava contra a entrada da tropa de choque da PM no campus oito dias antes.
O que se viu a seguir foi muita truculência por parte da PM, disparo de balas de borracha e o uso de gás lacrimogêneo contra os universitários.

Resultado: 22 universitários presos e encaminhados à sede da Polícia Federal, já que é a Unifesp é federal; foram soltos no início da madrugada desse sábado.
Em nota oficial, a Reitoria da Unifesp afirma:
De acordo com a direção do Campus Guarulhos, durante a tarde, chefes de departamento se encontravam em reunião com a diretoria. Ao final da reunião de professores, constatou-se que paredes e chão do Campus haviam sido pichados.
Por volta das 18 horas, um grupo de alunos se concentrou na frente da Diretoria Acadêmica e começou a insultar o diretor acadêmico. Em seguida, entraram no prédio quebrando vidros, móveis e computadores, intimidando e acuando não apenas o diretor acadêmico como também professores no local, ameaçando, inclusive, ocupar o prédio. Neste momento a Polícia Militar que faz a segurança do bairro foi acionada por docentes e servidores acuados na Diretoria Acadêmica para conter os manifestantes e garantir a integridade física de todos os presentes, inclusive de alunos.
Assim que foi informada dos acontecimentos, a Reitoria acionou a Superintendência da Polícia Federal, que assumiu a operação policial.
Também em nota, o professor Luiz Leduino de Salles Neto, pró-reitor de Assuntos Estudantis (PRAE), reagiu à ação policial. Ele foi aluno de Matemática da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e atualmente é docente do Instituto de Ciência e Tecnologia da Unifesp – campus São José dos Campos.
Frente à ação policial ocorrida no campus Guarulhos da Unifesp no dia 14 de junho de 2012, a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) manifesta a toda comunidade acadêmica e a toda sociedade o veemente repúdio à opção de tratar as questões universitárias, por mais complexas e controversas, por meio da violência.
Ressaltamos que são valores da PRAE o compromisso com a democracia e o respeito à diversidade intelectual, cultural, social e política.
Em função dessa nota, nós conversamos um pouco mais com o professor Luiz Leduino. Segue a nossa entrevista na íntegra:
Viomundo — A sua pró-reitoria divulgou nota repudiando a violência policial. Por quê?
Luiz Leduino Neto – Discordo radicalmente da opção de chamar a PM para atuar em uma situação que envolva um movimento reivindicatório na universidade, pois se há um problema, o mesmo não só não será resolvido, como será piorado. Os dirigentes da universidade, em todos os níveis, devem sempre tentar o diálogo, a negociação. Temos um papel educativo em relação aos nossos estudantes e devemos ser referência para toda a sociedade. Violência nunca deve ser a opção.
Viomundo — O que os alunos fizeram se justificava chamar a PM?
Luiz Leduino Neto — A PM é incapaz de ajudar num momento como aquele. Obviamente a PM não foi lá para negociar. No vídeo amplamente divulgado sobre a ação policial, nota-se que cerca de 20 estudantes estão cantando e repetindo palavras de ordem em frente à diretoria do campus. De repente, de forma violenta, um policial retira uma estudante do grupo. A estudante não oferecia nenhum risco, estava entoando palavras de ordem estudantis como todos os demais ali presentes.
Agora, se você vê uma amiga ou um amigo sendo agredido e levado para longe de forma truculenta, o que faria?  Mas os estudantes nem tiveram tempo de reagir,  a ação da PM foi brutal, com bombas e tiros de borracha.
Havia estudantes que não estavam protestando e foram atingidos. Professores, técnicos administrativos que estavam lá trabalhando e crianças filhos de estudantes também tiveram suas integridades físicas ameaçadas.
Viomundo – O senhor estava no campus da Unifesp Guarulhos no momento das prisões?
Luiz Leduino Neto — Eu cheguei ao local pouco depois da prisão dos estudantes.  Eu estava num evento da pró-reitoria em Osasco, quando um aluno me avisou pelo celular que a PM estava lançando bombas no campus de Guarulhos. A cena que eu vi quando cheguei era de pós-guerra: sangue, vidros quebrados, muitas pessoas em pânico… Assim, a PM não trouxe segurança, trouxe violência e medo.
Viomundo – As reivindicações dos alunos em greve procedem?
Luiz Leduino Neto — A pauta dos estudantes em greve do campus Guarulhos pode ser encontrada AQUI.
As reivindicações são justas. A infraestrutura é, de fato, muito aquém da reconhecida qualidade da Unifesp. O acesso ao campus por transporte público é muito deficiente. Falta um terreno para iniciarmos o projeto de residência universitária, entre outras questões igualmente pertinentes. Mas a greve já resultou em alguns avanços – há empenho da reitoria e do MEC na busca por soluções. Precisamos retomar a mesa de negociação e o debate amplo e respeitoso entre todos. Todos devem ceder.
 Viomundo —  E agora?
Luiz Leduino Neto – Convocamos uma reunião extraordinária do Conselho de Assuntos Estudantis da Unifesp para esta segunda-feira, na parte da manhã. Precisamos discutir coletivamente o que fazer.
Não podemos permitir que essas atrocidades voltem a ocorrer na universidade. Também temos o desafio de reconstruir as relações no campus. Professores, estudantes e técnicos administrativos têm os mesmos objetivos.
O momento exige união em defesa do campus e da Unifesp. Apesar das deficiências apontadas e que devem ser sanadas, o campus Guarulhos possui ótimos cursos de graduação, mestrado e doutorado e diversos projetos de pesquisa e extensão de excelência.
Creio que a saída para essa crise deve passar pelo estabelecimento de uma ampla mesa de negociação e de uma grande força-tarefa visando soluções a curto, médio e longo prazo. A universidade pública é um patrimônio do povo brasileiro, deve ser defendida, melhorada e a sua expansão deve continuar.
Viomundo — O senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa sobre este episódio lamentável?
Luiz Leduino Neto — Acho que não pode haver mais dúvidas: Polícia Militar não combina com educação, com universidade.  Nunca deu, não dá e nunca dará certo.  Tivemos recentemente na USP casos também lamentáveis. A universidade é o espaço do pensamento livre, da crítica, do debate, do diálogo.
Vou além: o papel da PM, de forma geral, deve ser amplamente debatido e revisado pela sociedade. E não se trata apenas de responsabilizar os integrantes da PM pelos abusos, mas quem a comanda e governa e, de forma mais ampla, redefinir sua própria concepção.

Fonte: http://www.viomundo.com.br/denuncias/luiz-leduino-policia-militar-nao-combina-com-educacao-universidade-nunca-dara-certo.html

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